sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

VI


Olhei os seus dedos finos, delicados como tesouros. O frasco de boca larga ampliou a beleza da pele branca. Vi nela um delta de veias que desaguou no meu coração – como foi inquietante! Quando se sentou no chão, não podia imaginar que, naquela tarde, tudo mudou no meu olhar. O que era incolor deixou passar a luz, o que era invisível transformou-se na porta das insónias. 

Escrever a peça de teatro ganhou outros sentidos. A Bruna passou a ser a flor que eu não tinha. E tinha muitas. Cuidava delas todos os dias antes do sol desaparecer no horizonte. Sempre gostei de flores e de paisagens. O problema é que apenas eu via flores nesses lugares. Às vezes, descia a rua, para apanhar o autocarro, em frente à paragem havia um canteiro com uma palmeira ao centro. Na Primavera era possível sentir o cheiro, principalmente, ao fim da tarde. 

Enquanto esperava, as pessoas faziam conversa de circunstância, iam falando do tempo, das doenças e dos filhos; apesar da paragem ter um banco para três pessoas, muitas velhinhas preferiam sentar-se no muro branco de barra azul. Em dias de sol preferem sempre a sombra da palmeira. Quando o autocarro se aproxima rapidamente agarram os sacos e encaminham-se para a porta sem perder o fio da conversa. 

É uma espécie de tertúlia de bairro com hora combinada. Ali na rua todos se conhecem pelo nome. A menina Alice, é assim que lhe chamam, é a mais rija, está reformada e costuma ir visitar a irmã que mora no outro lado do rio. Leva laranjas e maçãs da sua horta e um galo com as patas atadas. 




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