Daqui a pouco estarei ao seu lado, tentando
ler nos seus comportamentos um fio de luz, um sinal que suspenda a respiração e
incite a atravessar o muro da timidez. “O que queres ser?” – ainda a pergunta
da menina Alice. Agora quero ser capaz de subir as escadas, de ouvir a voz da
Bruna no 2º andar, de olhá-la nos olhos, de lhe beijar a face, sem tremer, de
guardar as mãos nos bolsos ou, ainda, de soltar uma gargalhada lembrando as
anedotas que ouvi no autocarro.
A ansiedade é invalidante quando não nos deixa
ser como imaginamos, na nossa cabeça as abelhas criam vespeiros e não nos deixam
aproximar do que somos. E somos tanta coisa ao longo da vida, por isso é tão
difícil responder à pergunta “o que queres ser?”. Desde pequenos que nos
indicam caminhos feitos pelos outros, muitas vezes inacessíveis a antepassados,
mas perseguidos. Somos a esperança que ilumina o passado de quem não teve
futuro, somos o futuro do passado de quem quis ter presente. E neste
desencontro de representações ganhamos protagonismo antes de sermos alguma
coisa, antes de termos idade.
-
Entra, entra. Já só falta o Daniel – diz a Bruna.
Era hora do lanche. Na mesa da sala de jantar
a mãe continuava a colocar pão, manteiga, queijo, compotas, leite e chocolates.
- Logo que o Daniel chegar,
vamos para a mesa.
Ao fundo, num espaço mais íntimo, está o pai a
ler o jornal, descalço e aos seus pés a gata Alma, cinzenta e de olhos verdes.
Era uma sem-abrigo que foi acolhida ainda bebé. Na varanda do 2º andar via-se o
coreto da praça, cercado de plátanos com novas folhas que acolhiam a passarada
para a pernoita.
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