sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

IV


Escrever é, talvez, uma das maiores paciências, é uma busca onde se conjuga a palavra e o sonho. Ao longo de muitas tardes, reuníamos na casa do Daniel, da Bruna, do Santiago ou na minha. A Árvore que não quer ficar parada crescia lentamente. O título era arrebatador, sentíamos as raízes dessa árvore e com ela, também, a Leonor. Éramos levados pelas palavras e, talvez, pela força invisível das árvores que procuram a luz.

Lá em casa não havia caramelos, nem bolachas de água-e-sal, apenas bolinhos secos, num frasco de rolha larga onde cabia a nossa mão. Foi aí que reparei nos seus dedos. Num instante pareceu-me que a sua mão estava num museu, acessível apenas ao olhar. Antes de continuarmos a escrever, foi ao armário, trouxe rebuçados e sentou-se no chão. Lá fora a passarada aninhava-se nas árvores do jardim, os seus cantos misturavam-se como instrumentos de uma orquestra.

Era tempo de ditar o meu parágrafo. O toque da campainha interrompeu-nos. Fiquei agarrado à frase como uma lua de papel ao vento. Inesperadamente, senti que a frase naufragou no oceano onde os cardumes gostam de saborear a chegada de novos mundos. Por instantes, sentimo-nos peixes, queríamos continuar, havia uma promessa em cada sílaba, um perfume indizível que se espalhava quando a voz retomava a frase interrompida:
        
António Vilhena