segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

I

Quando olho os meus joelhos, sei que as cicatrizes são as marcas do crescimento. Caí muitas vezes, mas levantei-me sempre, às vezes a sangrar e as esconder as lágrimas de tanta dor. Aprendi cedo o quanto era importante continuar. As dores nunca me fizeram desistir de nada, aprendi com elas a admirar ainda mais as coisas belas da vida. No princípio esperava que me ajudassem a levantar. Lembro-me quando aprendi a andar de bicicleta. O meu pai pedia-me que olhasse para a frente, enquanto me empurrava. Temia ficar sozinho, por isso, pedia-lhe que me segurasse. Um dia ele disse-me:
            - Estás seguro, olha para a frente.
Eu acreditei e, quando olhei para trás, vi que estava sozinho. Foi nesse momento que imaginei que podia conquistar o mundo. A minha preocupação foi ensaiar o travão de mão. Por alguns instantes o meu coração batia desalmadamente e as pernas pareciam que não chegavam aos pedais. Lembrava-me da frase: “olha para a frente”. Apesar dos meus cinco anos, recordo-me que tudo começou no jardim da cidade onde havia uma alameda de plátanos junto ao rio. Foi nesse jardim que aprendi a andar. Caí muitas vezes antes de conseguir apanhar bola, mas foi, exatamente, a tentar que me levantei pela primeira vez.

A minha história não é só minha, os meus amigos dizem que lhes aconteceu o mesmo, independentemente da idade, do sexo ou do lugar onde se nasceu e viveu. Leonor, a minha maior amiga, que vivia na minha rua, tinha um problema nos joelhos. Eu sabia porque a minha mãe contou-me. Quando a Leonor subia as escadas do prédio, a minha mãe ia sempre ajudá-la enquanto eu ficava a vê-las. 

António Vilhena