- Um passado de silêncios e de sonhos
adiados. Talvez tivéssemos querido o mesmo em algum momento, nas minhas mãos
permanecia o mistério das sombras, a esperança do seu olhar no recreio.
Aos poucos a história de A árvore que não quer ficar parada crescia, um fio dramático vivia
na orla da esperança, no movimento aparente das margens que levam o rio. Todos
éramos esse rio levados pela ideia de surpreender a Leonor com as vozes de
todos nós. Apesar dos dias serem de Verão, a noite chegava num ápice.
- Amanhã regressamos – dizíamos.
A motivação e as frases que podiam mudar o
mundo, os pensamentos sérios e as vírgulas que esculpiam uma narrativa
imprevisível acompanhavam-me no regresso a casa. À minha espera estava o Salsa,
uma bola de pêlo roedora, que me surpreendia mal punha a chave na porta.
Enroscava-se nas minhas pernas e exigia colo. Durante alguns minutos tentava
acalmá-lo, era um ritual que acabava no sofá.
Acompanhava todos os movimentos
com os olhos, esperava que caísse alguma migalha da mesa para dar um salto
voador. Quando isso acontecia já não saía do lugar. Depois do jantar ia até ao
quintal, sempre na companhia do Salsa. A noite estava quente e ouviam-se
grilos, o céu estava estrelado e, às vezes, era possível ver algumas estrelas
cadentes. A ideia de surpreender a Leonor tornou-se uma obsessão.
A peça tomava conta de nós, despertou-nos
para a botânica dos afetos e o pergaminho das letras. Cada reencontro trazia a
cumplicidade que não morre, as nossas vidas faziam mais sentido. E como em
qualquer começo, tudo parece frágil e fragmentado, risca-se e reescreve-se,
volta-se atrás, escuta-se a melodia que embala a mão, escutamos as vozes que
nos ditam o estuário da manhã luminosa da escrita que não pode esperar.
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