sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

II

Ela tocava à campainha, a porta abria-se e a minha mãe gritava sobre o corrimão enquanto olhava para o fundo das escadas. A Leonor entrava, mas não conseguia subir, por isso, a minha mãe descia rapidamente os degraus dos três pisos até ao hall. Abraçava a pequena Leonor e começavam a subir. O prédio era antigo, não tinha elevador. Demoravam algum tempo. A minha mãe descansava em cada lance de escadas até chegarem, finalmente, à nossa casa. 

Na primeira visita da Leonor, a minha mãe preparou uma limonada fresca, as aulas tinham terminado e as temperaturas eram próprias do verão. Nunca mais esqueço a primeira vez em que a Leonor esteve a brincar comigo. A naturalidade com que enfrentava as suas dificuldades fez-me pensar o quanto eu era um menino privilegiado. Naquela noite custei a adormecer, pensava como era difícil viver como a Leonor. As férias tinham chegado e eu queria passear, jogar à bola, correr, saltar e ir ao cinema com os meus amigos. Talvez a Leonor quisesse o mesmo, mas as suas pernas não lhe permitiam. 

As cidades ainda têm muitas barreiras para as pessoas deficientes. Enquanto estava acordado pensei que seria interessante organizar uma festa na casa da Leonor e levar todos os nossos amigos. Assim, faríamos uma surpresa e ajudaríamos a Leonor a sentir-se menos sozinha. No dia seguinte, fiz uma lista dos nossos amigos e comecei de imediato a contactá-los para prepararmos a festa surpresa. 


António Vilhena

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

I

Quando olho os meus joelhos, sei que as cicatrizes são as marcas do crescimento. Caí muitas vezes, mas levantei-me sempre, às vezes a sangrar e as esconder as lágrimas de tanta dor. Aprendi cedo o quanto era importante continuar. As dores nunca me fizeram desistir de nada, aprendi com elas a admirar ainda mais as coisas belas da vida. No princípio esperava que me ajudassem a levantar. Lembro-me quando aprendi a andar de bicicleta. O meu pai pedia-me que olhasse para a frente, enquanto me empurrava. Temia ficar sozinho, por isso, pedia-lhe que me segurasse. Um dia ele disse-me:
            - Estás seguro, olha para a frente.
Eu acreditei e, quando olhei para trás, vi que estava sozinho. Foi nesse momento que imaginei que podia conquistar o mundo. A minha preocupação foi ensaiar o travão de mão. Por alguns instantes o meu coração batia desalmadamente e as pernas pareciam que não chegavam aos pedais. Lembrava-me da frase: “olha para a frente”. Apesar dos meus cinco anos, recordo-me que tudo começou no jardim da cidade onde havia uma alameda de plátanos junto ao rio. Foi nesse jardim que aprendi a andar. Caí muitas vezes antes de conseguir apanhar bola, mas foi, exatamente, a tentar que me levantei pela primeira vez.

A minha história não é só minha, os meus amigos dizem que lhes aconteceu o mesmo, independentemente da idade, do sexo ou do lugar onde se nasceu e viveu. Leonor, a minha maior amiga, que vivia na minha rua, tinha um problema nos joelhos. Eu sabia porque a minha mãe contou-me. Quando a Leonor subia as escadas do prédio, a minha mãe ia sempre ajudá-la enquanto eu ficava a vê-las. 

António Vilhena